
Para alguns, uma arma é apenas um instrumento. Para outros, é uma peça histórica, um símbolo técnico ou cultural, um objeto que carrega narrativas e memórias. É nesse segundo grupo que se encontram os colecionadores de armas de fogo — pessoas que veem valor além do uso, dedicando-se à preservação de exemplares que marcaram épocas, eventos e transformações na sociedade.
O colecionismo armamentista é, no Brasil, uma prática regulamentada e respeitada. Mas, para ser exercida com legitimidade, exige mais do que paixão: requer conhecimento técnico, obediência à legislação e um profundo senso de responsabilidade. Com as novas diretrizes do Decreto nº 11.615/2023, os contornos dessa atividade foram ainda mais definidos, oferecendo maior segurança jurídica e clareza aos interessados.
Colecionar: entre memória, técnica e cultura
O objetivo do colecionador não é utilizar a arma, mas conservá-la. A atividade tem caráter histórico, técnico e expositivo. Armas de diferentes períodos, fabricantes, calibres e origens compõem acervos que ajudam a contar a evolução da tecnologia armamentista, os contextos militares e as tradições culturais de diversas sociedades.
Ao manter essas peças, o colecionador colabora para a preservação da memória material das forças armadas, da indústria bélica e da própria história nacional e internacional. Muitas coleções particulares são, inclusive, fontes valiosas para estudos e exposições museológicas.
Quem pode exercer a atividade?
A legislação brasileira determina que apenas maiores de 25 anos, devidamente registrados como CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), podem manter legalmente acervos armamentistas. A obtenção do Certificado de Registro (CR), emitido pelo Comando do Exército, é a porta de entrada obrigatória para qualquer cidadão que deseje iniciar sua coleção.
Além das pessoas físicas, museus reconhecidos também têm autorização legal para conservar armas como parte de seus acervos históricos, desde que observem as normas estabelecidas em conjunto pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) e pelo Exército.
Quais armas podem ser colecionadas?
O colecionador pode manter um exemplar de cada arma, conforme suas variações de tipo, marca, modelo, calibre e origem. No entanto, há restrições bem definidas. Estão fora do alcance do colecionamento:
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Armas automáticas de qualquer natureza;
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Armas longas semiautomáticas de uso restrito com menos de 70 anos de fabricação;
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Modelos idênticos aos atualmente utilizados pelas Forças Armadas;
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Armas de destruição em massa ou com características especiais proibidas (químicas, biológicas, nucleares);
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Armas equipadas com silenciadores ou dispositivos de supressão de ruído.
Mesmo entre os modelos permitidos, é necessário cumprir etapas burocráticas, que incluem pedidos formais ao Exército, comprovação de procedência e, em alguns casos, laudos de valor histórico emitidos por entidades especializadas.
O papel das munições na coleção
Munições também podem fazer parte do acervo, desde que obedeçam critérios rigorosos. Para armas colecionadas, é permitido manter munições inertes — ou seja, sem carga propulsora e com espoleta já deflagrada. Em coleções compostas exclusivamente por munições, admite-se um único exemplar ativo por tipo, com características originais preservadas.
No caso de munições de grande calibre, destinadas a armamento pesado, a exigência é ainda mais restrita: todas as peças devem ser obrigatoriamente inertes, em consonância com os padrões de segurança estabelecidos nacional e internacionalmente.
Comprovação histórica e legalidade do acervo
Alguns itens, especialmente os mais raros ou antigos, exigem laudo de valor histórico. Esse documento pode ser emitido por instituições como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), museus públicos, órgãos estaduais de preservação ou pelo próprio Comando do Exército.
O laudo contribui para o reconhecimento legal da peça e deve ser comunicado às autoridades dentro do prazo estipulado, alimentando os registros nacionais e garantindo que o colecionamento mantenha seu caráter cultural e seguro.
Coleções que contam histórias
Armas que já não disparam ainda têm muito a dizer. São testemunhas silenciosas de conflitos, inovações tecnológicas, estratégias de guerra e revoluções industriais. Por isso, o colecionismo de armas não é apenas uma atividade individual: é uma prática de conservação de memória.
Acervos particulares muitas vezes se tornam material de estudo, objeto de publicações e até parte de exposições abertas ao público. Isso reforça o papel do colecionador como agente cultural, responsável por preservar parte significativa da história que, de outra forma, poderia se perder com o tempo.
Compromissos e deveres do colecionador
Com o direito de manter um acervo, vêm também responsabilidades claras. O colecionador deve manter seu Certificado de Registro em dia, atualizar seus dados perante o Exército, armazenar os itens em condições adequadas de segurança e garantir que o acesso ao acervo seja restrito e controlado.
A documentação de cada peça deve ser rigorosa, assim como os trâmites de aquisição, cessão ou descarte. Qualquer descumprimento pode levar a sanções que vão de advertências até penas criminais, dependendo da gravidade da infração.
Conclusão
A loja Casa Colt, de Buritizal (SP), ressalta que ser colecionador de armas no Brasil é assumir uma função que envolve zelo, estudo e legalidade. Mais do que uma paixão ou um passatempo, é uma prática que exige atenção constante às normas, respeito à história e cuidado com cada peça.
Ao reunir artefatos armamentistas com valor histórico, o colecionador contribui para a preservação de parte importante do nosso patrimônio cultural. Com as garantias legais trazidas pelo Decreto nº 11.615/2023, o Estado brasileiro reconhece a legitimidade dessa prática — e convida à responsabilidade aqueles que desejam fazer parte desse universo.
Colecionar armas é, em última análise, colecionar memórias. E manter viva essa memória é também uma forma de compreender o presente e honrar o passado.
Para saber mais sobre coleção de armas, acesse:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11615.htm#art83
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